O arrendamento rural, prática comum em negociações sobre o uso da terra, é modalidade prevista na Lei nº 4.504/64, vinculando as partes em uma relação agrária sui generis. O artigo terceiro do Decreto nº 59.566/66, que regulamenta o Estatuto da Terra, traz a seguinte definição:
Art 3º Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel , observados os limites percentuais da Lei.
Embora o arrendamento possa parecer uma espécie de aluguel (já que, de forma resumida, uma das partes cede à outra o uso de um imóvel rural mediante pagamento) é importante ter em mente que os contratos agrários são regidos por princípios e regras próprias. Ignorá-los pode trazer inúmeros riscos jurídicos e econômicos, sem contar os reflexos na própria atividade agropecuária – razão principal da existência do contrato.
A legislação agrária brasileira expõe critérios específicos que devem ser observados na dinâmica do arrendamento rural de maneira obrigatória e irrenunciável – ou seja, devem prevalecer mesmo que a vontade das partes queira apontar por outro caminho.
Destacamos abaixo cinco grandes erros cometidos na redação de contratos de arrendamento rural:
1 – Contrato não adequado à realidade
Os contratos, na legislação agrária, são dotados de visível conotação social, incluindo uma notória proteção à parte arrendatária, dada a importância de sua atividade. Ainda, a legislação em vigor permite que os contratos sejam estabelecidos de forma expressa ou tácita e, ainda, de forma escrita ou mesmo verbal. A intenção, por óbvio, foi de conferir proteção mesmo às relações informalmente constituídas. Embora esse cenário não corresponda mais à realidade das relações no campo nos anos 60, ainda encontramos quem substitua o documento redigido pela palavra.
Tão ou mais inseguro do que firmar contratos verbais, é optar por determinado contrato que não corresponda à realidade do negócio estabelecido. Nas relações agrárias, as confusões entre as modalidades de parceria e arrendamento são ainda comuns. Em termos gerais, nas relações de arrendamento, a parte arrendatária não partilha dos riscos da atividade; antes, cede o uso de sua propriedade mediante pagamento. Já nas relações de parceria, os parceiros partilham os riscos, frutos, produtos e lucros da atividade, constituindo verdadeira espécie de sociedade capital-trabalho.
Dar ares de arrendamento para relações nitidamente contrárias ao seu objeto, por certo é a opção menos recomendada. A redação contratual não se sobrepõe à realidade. Antes, a concretude do negócio é que deve ser transposta para o papel, respeitadas as ressalvas legais. Para isso, as partes devem estar cientes e acordadas sobre em quais termos se relacionarão.
2 – Erros na estipulação do prazo de vigência
Os ciclos relacionados às atividades agropecuárias são relevantes para a determinar sua duração contratual. Engana-se quem pensa que os contratos agrários podem ser firmados pelo prazo que as partes bem entenderem. Especialmente quanto ao arrendamento rural, a legislação agrária determina duração mínima de 3 anos para os contratos firmados por prazo indeterminado, nos casos em que ocorra atividade de exploração de lavoura temporária e/ou de pecuária de pequeno e médio porte.
A natureza de algumas atividades justifica a determinação de prazos ainda maiores: 5 anos nos casos de exploração de lavoura permanente e/ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias primas de origem animal. Ainda, a atividade exploração florestal tem prazo mínimo previsto em lei de 7 anos de vigência.
Embora com divergências, prevalece em decisões judiciais o entendimento de que os prazos mínimos não podem ser ignorados:
“O prazo mínimo do contrato de arrendamento é um direito irrenunciável que não pode ser afastado pela vontade das partes sob pena de nulidade.” Ministro Luis Felipe Salomão (REsp Nº 1.339-432-MS, 16/04/2013).
3 – Confusões na estipulação de preço e pagamento
O Estatuto da Terra e o Decreto regulamentador nº 59.566/66 dispõem expressamente que o preçodo arrendamento rural deve ser estipulado em quantia fixa, embora seu pagamento possa ser ajustado de maneira diversa:
Art 18. O preço do arrendamento só pode ser ajustado em quantia fixa de dinheiro, mas o seu pagamento pode ser ajustado que se faça em dinheiro ou em quantidade de frutos cujo preço corrente no mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalha ao do aluguel, à época da liquidação.
Parágrafo único. É vedado ajustar como preço de arrendamento quantidade fixa de frutos ou produtos, ou seu equivalente em dinheiro.
Preço e pagamento, embora diretamente relacionados e interdependentes, são itens diversos na composição contratual. A legislação é categórica quanto à fixação em pecúnia do preço do arrendamento, permitindo flexibilização quanto a forma de pagamento.
Nos contratos de arrendamento rural, é comum ajustar a remuneração do aluguel em frutos ou produtos, como ocorre com frequência nas regiões de grande produtividade de soja e milho. Entretanto, a forma juridicamente segura de fazê-lo é através do pagamento. O preço, dada a natureza da relação e a disposição legal, deve ser fixado em valor monetário.
Embora alguns tribunais permitam flexibilizações, prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que as clausulas contratuais que fixem o preço em produtos são nulas.
4 – Ausência de cláusulas protetivas ambientais
Mesmo bons contratos, muitas vezes se limitam aos aspectos financeiros dos negócios. Entretanto, o potencial danoso das atividades agropecuárias e a crescente e ostensiva vigilância ambiental no campo, pedem cuidados maiores.
O próprio Estatuto da Terra demonstra preocupação com a questão ambiental, ao disciplinar que a função social da propriedade é cumprida quando, dentre outros quesitos, assegura a conservação dos recursos naturais. Por óbvio, a premissa deve ser aplicada às relações agrárias, aqui especificamente quanto ao arrendamento rural.
As implicações ambientais relacionadas as atividades do imóvel arrendado não podem ser ignoradas. Uma descrição detalhada das atividades exercidas pode prevenir desentendimentos futuros em caso de possíveis autuações dos órgãos ambientais, evitando reflexos negativos no negócio firmado entre arrendador e arrendatário, além da continuidade da própria atividade econômica.
Dessa forma, a prática de atividades ambientalmente inadequadas pode ser prevista contratualmente como causa de rescisão, além de possível previsão de vigilância do proprietário do imóvel.
5 – Ausência de gestão contratual
A crença de que o contrato cumpre seu papel no momento da assinatura, é perigosa e negligente. Considerando que o arrendamento rural é modalidade negocial que perdurará por no mínimo 3 anos, a gestão contratual é ferramenta importante para garantia de segurança jurídica em todas as fases.
A gestão contratual abrange um conjunto de estratégicas e técnicas de controle, desde o momento das negociações, redação e, por fim, ao seu desfecho – com o encerramento do negócio. A observação diligente de situações e particularidades que possam ocasionar alterações na relação negocial ou mesmo seu rompimento, é fator fundamental para mitigação de riscos.
A observância de prazos legais, nesse contexto, é decisiva. Os prazos para notificações, ou ainda a atenção aos direitos de preferência e outras particularidades, são fatos que refletem diretamente na relação negocial. As partes, arrendador e arrendatário, devem ter a tranquilidade necessária para concentrar as atenções no cumprimento de suas obrigações e observância de deveres, deixando a gestão contratual nas mãos de profissionais qualificados.
Segurança jurídica
O cenário agrarista brasileiro é diverso e plural, permitindo a coexistência de relações multifacetadas. Certos de que seria possível identificar muitas outras questões a serem levantadas nas relações de arrendamento rural, cremos que esses 5 pontos já sejam suficientes para permitir um bom avanço rumo à segurança jurídica no campo.
Confira a legislação agrarista do tema em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504compilada.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D59566.htm
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