A tríplice responsabilidade ambiental é o nome dado ao conhecido sistema jurídico de proteção ambiental no Brasil. Responsabilidade, do latim reponsus, significa responder, afiançar, pagar. Logo, a tríplice responsabilidade ambiental está relacionada às formas pelas quais as atividades lesivas ao meio ambiente podem ser apuradas, e quais os meios utilizados pelo poder público para sua repressão ou reparação.
Não são raras as vezes em que produtores rurais se espantam ao perceber que um mesmo fato originou processos diversos e sanções variadas. Neste artigo, procuramos resumir como este fenômeno jurídico ocorre e como pode ser impactante para as propriedades rurais.
Proteção ambiental
Conhecida como “Constituição Verde”, a Constituição de 1988 inovou ao dedicar um capítulo exclusivo para a abordagem da matéria ambiental. No conhecido artigo 225, o texto constitucional traz a seguinte descrição:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
O direito ao ambiente ecologicamente equilibrado foi elevado ao patamar de direito fundamental. A natureza pública da proteção ambiental é premissa que norteia as políticas públicas na matéria, a exemplo da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81). Prevalece, portanto, a ideia de meio ambiente como um valor a ser necessariamente assegurado e protegido para o uso de todos – para fruição humana coletiva.
Já no parágrafo 3º do artigo 225, a Constituição Federal traz a disciplina do que conhecemos como tríplice responsabilidade ambiental:
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos.
Tríplice responsabilização é a denominação doutrinária para ostrês tipos de responsabilidade em matéria ambiental: responsabilidade civil, responsabilidade administrativa e responsabilidade penal, as quais poderão incidir sobre um mesmo ato atentatório ao meio ambiente, cumulativamente – isto é, ao mesmo tempo.
Responsabilidade Civil
O Direito Ambiental aborda duas funções da responsabilidade civil ambiental: a função preventiva (procurando, por meios eficazes, evitar o dano), e a função reparadora (tentando reconstituir e/ou indenizar os prejuízos ocorridos). A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente inseriu dois comportamentos a serem procurados: preservação e restauração.
Os requisitos para configuração de responsabilidade civil ambiental são: existência de atividade lesiva – nexo de causalidade – dano. Ou seja, basta que determinada atividade humana seja causadora de um dano ambiental. Esta forma de responsabilidade é chamada de objetiva – ou seja, independe de culpa.
A Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81) traz, em seu artigo 14, as formas pelas quais a responsabilidade civil ambiental pode ser apurada. A atuação do Ministério Público é destacada, através de propositura de ações judiciais:
§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Responsabilidade administrativa
Esta forma de responsabilidade é amplamente conhecida por produtores rurais, já que é expressa na lavratura de Auto de Infração originado de atividade fiscalizadora ambiental, dando início a processo administrativo. A definição de infração administrativa pode ser encontrada no artigo 2º do Decreto nº 6.514/2008:
Art. 2o Considera-se infração administrativa ambiental, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, conforme o disposto na Seção III deste Capítulo.
Para caracterização desta forma de responsabilidade, dois requisitos são necessários:
- Conduta – imputada à pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que concorra, por ação ou omissão, para a prática da infração;
- Ilicitude – comportamento contrário ao estabelecido pela norma jurídica, que é pressuposto da sanção. É essencial que haja a ocorrência de uma infração para que haja responsabilidade administrativa ambiental.
As chamadas sanções administrativas estão dispostas no artigo 3o do Decreto n° 6514/2008:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V – destruição ou inutilização do produto;
VI – suspensão de venda e fabricação do produto;
VII – embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;
VIII – demolição de obra;
IX – suspensão parcial ou total das atividades; e
X – restritiva de direitos.
Responsabilidade penal
Além da já citada Política Nacional de Meio Ambiente, a responsabilidade penal encontra-se disciplinada na conhecida Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98):
Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
A atuação do Ministério Público também se faz presente nessa forma de responsabilidade, através da propositura de ações penais. A Lei de Crimes Ambientais ainda constitui importante fonte para lavraturas de autos de infração administrativos.
Exemplo prático
Conforme vimos acima, a tríplice responsabilidade ambiental torna possível que um mesmo dano ambiental tenha repercussão jurídica nas três esferas. Vejamos no exemplo abaixo como isso ocorre, na prática.
Exemplo: Desmatamento sem licença ambiental
Na esfera criminal, o cometimento do fato acima está descrito na Lei de Crimes Ambientais com a seguinte redação:
Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.
Na esfera administrativa, o Decreto nº 6.514/08 dispõe:
Art. 52. Desmatar, a corte raso, florestas ou demais formações nativas, fora da reserva legal, sem autorização da autoridade competente:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por hectare ou fração.
Ao mesmo tempo, na esfera cível, o fato pode ser apurado através de ação judicial, movida pelo Ministério Público, objetivando a cessação da atividade, a reparação do dano (recuperação de áreas degradada) ou, se irreversível, pagamento de indenização em pecúnia.
Importante destacar que as três formas de responsabilidade podem ser apuradas e aplicadas cumulativamente, vez que são independentes.
Considerações finais
O renomado doutrinador Édis Milaré ao escrever sobre o assunto, defende que a responsabilidade civil ambiental visa a reparação do dano, a responsabilidade administrativa visa a prevenção do dano e a responsabilidade penal visa a repressão ao dano.
A simples existência de um sistema jurídico tão complexo para apuração de infrações ambientais justifica, de imediato, que toda propriedade rural conte com um plano mínimo de gestão preventiva, evitando que riscos jurídicos coloquem em xeque a própria continuidade da atividade econômica.
Conheça a legislação citada no artigo em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6514.htm
http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Leis/L6938compilada.htm
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