Responsabilidade administrativa ambiental subjetiva é reconhecida pelo IBAMA

A responsabilidade administrativa em matéria ambiental, assim como as demais formas (cível e criminal) tem fundamentação legal no art. 225 da Constituição Federal, o qual determina, em seu parágrafo terceiro, a aplicação de sanções às pessoas físicas ou jurídicas que cometam atividades lesivas ao meio ambiente.

Neste artigo, trataremos apenas da responsabilidade administrativa, especialmente quanto ao recente reconhecimento, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, do caráter subjetivo desta forma de responsabilização e como este entendimento pode afetar a aplicação de sanções pela Autarquia ambiental.

Responsabilidade subjetiva ambiental: Responsabilidade administrativa – natureza e definição

Em outros artigos, frisamos que a via administrativa é a forma de apuração de infrações ambientais mais conhecida pelos produtores rurais, vez que se manifesta através de atividade fiscalizadora e consequente lavratura de Auto de Infração Ambiental, dando início a um processo administrativo.

Trazemos, mais uma vez, a definição de infração administrativa, conforme artigo 2º do Decreto nº 6.514/2008:

Art. 2o Considera-se infração administrativa ambiental, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, conforme o disposto na Seção III deste Capítulo. 

As sanções administrativas aplicadas em matéria ambiental estão dispostas no artigo 3o do mesmo decreto. Multas, apreensões de maquinário (principalmente na temática desmatamento) e embargo de áreas rurais, são as formas de sanções administrativas mais conhecidas em agronegócios, principalmente pelo impacto imediato tanto financeiro como na continuidade da atividade econômica. Confira abaixo as sanções aplicadas pelos órgãos ambientais:

Sanções aplicadas pelos órgãos ambientais

I – advertência;

II – multa simples;

III – multa diária;

IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;                   

V – destruição ou inutilização do produto;

VI – suspensão de venda e fabricação do produto;

VII – embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;

VIII – demolição de obra;

IX – suspensão parcial ou total das atividades; e

X – restritiva de direitos.

Esta forma de responsabilidade é originada do poder de policia ambiental, o qual é definido, nas palavras de Édis Milaré, como “(…) prerrogativa da Administração Pública, que legitima a intervenção na esfera jurídica do particular em defesa de interesses maiores relevantes para a coletividade, e desde que fundado em lei anterior que o discipline e defina seus contornos”.

O poder de polícia ambiental é prerrogativa do Poder Público, particularmente do Executivo, e é dotado dos seguintes atributos: discricionaridade, autoexecutoriedade e coercibilidade. Difere-se quanto à natureza e métodos de atuação: não é exercido por policiais profissionais, mas por profissionais técnicos capacitados, à exceção da Polícia Militar Ambiental.

O Código Tributário Nacional traz, ao artigo 78 a definição de poder de polícia:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Para caracterização da responsabilidade administrativa, dois requisitos são necessários:

  • Conduta – imputada à pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que concorra, por ação ou omissão, para a prática da infração;
  • Ilicitude – comportamento contrário ao estabelecido pela norma jurídica, que é pressuposto da sanção. É essencial que haja a ocorrência de uma infração para que haja responsabilidade administrativa ambiental.

Esta forma de responsabilização ambiental se difere especialmente da civil, posto que nesta última a comprovação de culpa é desnecessária para sua caracterização, gerando o dever de reparação.

Responsabilidade subjetiva ambiental – Antigo entendimento do IBAMA

A atuação do IBAMA na apuração de infrações ambientais administrativas seguia a Orientação Jurídica Normativa 26/2011/PFE-IBAMA (ONJ 26/2011) editada em janeiro de 2011. Tal normativa foi originada de consulta interna da Procuradoria do órgão, quanto à necessidade de configuração da culpa e do dolo para a aplicação da penalidade de multa administrativa ambiental.

A matéria foi firmada internamente pela autarquia ambiental sob o entendimento de que a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81) não exigia a necessidade de comprovação de culpa para caracterização de infração ambiental. Nesse sentido, ficou estabelecido o entendimento de que “se a conduta (ação ou omissão) é considerada ilícita por sua própria natureza ou gera um resultado considerado ilícito pela legislação ambiental, está configurada a infração administrativa, ainda quando o agente não visou deliberadamente o resultado danoso”. Para o afastamento da sanção aplicada caberia, ao autor, comprovar a ausência de nexo causal.

Embora este entendimento já diferenciasse as modalidades civil e administrativa de responsabilização, ao reconhecer a incidência de excludentes de ilicitude nesta última, desde que demonstrado, pelo administrado, “que seu comportamento não contribuiu para a ocorrência da infração (culpa concorrente)”, a sistemática adotada feria diretamente a natureza subjetiva da responsabilização administrativa, ao recusar a necessidade de demonstração de nexo causal entre a conduta apurada e o dano causado, para aplicação de sanções ambientais.

Em resumo: embora formalmente o IBAMA reconhecesse a diferenciação entre as responsabilidades civil e administrativa, na prática esta última vinha sendo apurada com o mesmo peso doutrinário da primeira – isto é, sem que os Autos de Infração lavrados pela autarquia demonstrassem a culpa dos autuados no cometimento das infrações. Valendo-se das presunções de validade e legitimidade dos atos públicos, a autarquia ambiental mesclava os institutos de responsabilização, imputando ao autuado o ônus probatório integral sobre todas as formas de sanção aplicáveis.

Responsabilidade subjetiva ambiental – entendimento judicial

O entendimento da natureza subjetiva da responsabilidade administrativa em matéria ambiental foi firmado recentemente, em importante julgado do Superior Tribunal de Justiça, figurando dentre os exemplos citados pela nova Orientação Jurídica Administrativa do IBAMA. Trazemos abaixo o relato de caso, para melhor compreensão deste artigo.

O caso:  A Secretaria do Meio Ambiente de Guapimirim (RJ) aplicou uma multa de R$ 5 milhões à Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga pelo derramamento de 70 mil litros óleo diesel em área de preservação ambiental no rio Caceribu e na baía de Guanabara. O derramamento de óleo ocorreu em acidente provocado pela transportadora contratada pela Ipiranga, durante transporte ferroviário entre os municípios de Itaboraí e Campos dos Goytacazes.  

O juízo de primeiro grau declarou a nulidade do Auto de Infração. Contudo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença por entender que a Ipiranga fora responsável, ainda que indiretamente, pelo dano ambiental. No recurso especial da Ipiranga ao STJ, os ministros discutiram o alcance da responsabilidade administrativa ambiental e a possibilidade de a pena de advertência anteceder a aplicação de multa.

A decisão que pôs fim à demanda, com trânsito em julgado do tema em 27/08/2019, conforme o acompanhamento processual, é da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça que, ao anular o Auto de Infração contra a Ipiranga, firmou o entendimento de que a responsabilidade ambiental administrativa é subjetiva e que, no caso, não foi demonstrada a efetiva participação da empresa no acidente que gerou danos ao meio ambiente:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SUBMETIDOS AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM RAZÃO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. 1. Na origem, foram opostos embargos à execução objetivando a anulação de auto de infração lavrado pelo Município de Guapimirim – ora embargado -, por danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel pertencente à ora embargante, após descarrilamento de composição férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). 2. A sentença de procedência dos embargos à execução foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo fundamento de que “o risco da atividade desempenhada pela apelada ao causar danos ao meio ambiente consubstancia o nexo causal de sua responsabilidade, não havendo, por conseguinte, que se falar em ilegitimidade da embargante para figurar no polo passivo do auto de infração que lhe fora imposto”, entendimento esse mantido no acórdão ora embargado sob o fundamento de que “[a] responsabilidade administrativa ambiental é objetiva”. 3. Ocorre que, conforme assentado pela Segunda Turma no julgamento do REsp 1.251.697/PR, de minha relatoria, DJe de 17/4/2012), “a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano”. 4. No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma em caso análogo envolvendo as mesmas partes: “A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador” (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe de 7/10/2015). 5. Embargos de divergência providos.

(STJ – EREsp: 1318051 RJ 2012/0070152-3, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 08/05/2019, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 12/06/2019)

Dessa forma, o reconhecimento pelo Poder Judiciário de tese incompatível com a praticada pela Orientação Jurídica Normativa em vigor no IBAMA, motivou a autarquia em revisar o entendimento da matéria, na intenção de oferecer segurança jurídica aos atos praticados pelo órgão.

Responsabilidade subjetiva ambiental – IBAMA edita nova Orientação Jurídica Normativa

A edição da OJN nº 53/2020, que reconhece explicitamente a natureza subjetiva da responsabilidade administrativa ambiental, foi motivada também pela relevância do tema sob o prisma do controle externo, conforme apontado pelo Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 1432/2017.

Ainda, a doutrina ambiental brasileira é majoritariamente unânime no entendimento da natureza subjetiva da responsabilidade administrativa ambiental. O parecer nº 00004/2020/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU que consolida a nova OJN sobre o tema cita, com honras, as palavras de Curt Trennepohl, em sua obra Responsabilidade administrativa no direito ambiental:

“A aplicação de sanções sem comprovação de culpa ou dolo afronta os mais elementares pilares do nosso sistema jurídico. A aplicação de multa deve obedecer às regras do direito sancionador, pois derivadas da Lei n. 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas, aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente”.

Para fins de melhor exposição da revisão de entendimento do tema, o novo parecer cita exemplos de como a responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas deve ser verificada, à luz da natureza subjetiva da matéria:

A revisão de entendimento da matéria instituiu a necessidade de verificação da culpabilidade em sentido amplo (englobando dolo e culpa em sentido estrito), deva analisar a conduta da pessoa jurídica como um todo.

Por exemplo: ao se verificar a existência de uma fraude em informação do licenciamento prestada por uma pessoa jurídica, não há dúvida que essa agiu com dolo, afigurando-se excessivo exigir-se a identificação do agente que assim procedeu (muitas vezes omitido ou obscurecido pela estrutura societária) para fins de responsabilização subjetiva. Em mesmo sentido, ao verificar-se a supressão de vegetação e a edificação de propriedade de uma pessoa jurídica sem atenção às regras próprias, não há dúvidas que essa ocorreu de forma ao menos culposa, não sendo o caso de demandar-se o nome daquele que operou a máquina que suprimiu a vegetação.

O que se demanda, isso sim, é a demonstração que foram atos dolosos ou culposos realizados em nome de uma pessoa jurídica que levaram a cabo uma infração ambiental (…)”

Nesse sentido, a ementa do parecer traz o reconhecimento inequívoco: A responsabilidade administrativa ambiental possui natureza subjetiva, a demandar a existência de dolo ou culpa do agente para caracterização de infração ambiental.

Responsabilidade subjetiva ambiental – efeitos da nova Orientação Jurídica Normativa do IBAMA

O novo parecer é incisivo em apontar que evitar a aplicação dos efeitos do entendimento já pacífico na jurisprudência nacional apenas fará com que a autarquia acabe incentivando novas demandas judiciais, nas quais o IBAMA estará sujeito a ônus sucumbenciais, além do deslocamento de servidores à prestação de subsídios e cumprimento de decisões.

A nova redação, por certo, deverá ter aplicabilidade na apuração de novas infrações ambientais e lavraturas de Auto de Infração, devendo as autoridades ambientais demonstrar os requisitos fundamentais da responsabilidade administrativa: a demonstração de culpa do agente autuado.  

Nesse sentido, o parecer reconhece expressamente que a Administração Pública está sujeita ao dever jurídico de respeitar os precedentes administrativos e judiciais já consolidados em favor dos direitos do cidadão, como forma de assegurar-lhes uma proteção igualitária.

O reconhecimento administrativo de importante instituto certamente trará mais efetividade no exercício dos direitos de defesa dos produtores rurais autuados, além de guiar a atuação do IBAMA para longe de aplicações ilegais e arbitrárias de multas e demais sanções. Ainda, a mudança de paradigma demonstra importante avanço democrático de controle externo da Administração Pública.

Leia mais sobre responsabilidade ambiental em:

https://www.jusfazenda.com.br/fiscalizacao-ambiental-operacao-amazonia

Confira a íntegra da OJN IBAMA 53.2020 em:

  • Responsabilidade subjetiva ambiental - IBAMA reconhece responsabilidade subjetiva

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