“É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. Com a fixação desta tese, o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o julgamento do Recurso Extraordinário 654833, em 17 de abril deste ano. Na prática, firmou-se o entendimento de que não há limite de prazo para a propositura de ações de reparação de danos ambientais.
Neste artigo elencamos os principais requisitos para configuração desta forma de responsabilidade e como a fixação da tese da imprescritibilidade da obrigação tem influenciado na tomada de decisões dos órgãos competentes. Ainda, procuramos levantar propostas de atuação para a advocacia ambiental, com foco em garantir segurança jurídica nas interações entre o setor produtivo agropecuário e os órgãos ambientais.
Reparação de dano ambiental – critérios e natureza
A reparação de dano ambiental é responsabilidade civil. Em outros artigos, trouxemos detalhadamente as três formas de responsabilização em matéria ambiental: civil, administrativa e penal. Das três, destacamos que apenas a primeira tem natureza objetiva – isto é, independe de culpa. Os requisitos para configuração da responsabilidade civil ambiental são:
- Existência de atividade lesiva
- Nexo de causalidade
- Dano
O cometimento de prática causadora de dano ambiental, independente de culpa, é suficiente para caracterização da responsabilidade civil de reparação. Com o entendimento recente do STF pela imprescritibilidade da obrigação, especialmente produtores rurais ficarão perpetuamente à mercê de Ações Civis Públicas perante o Judiciário. Considerando ainda que a reparação de dano ambiental é obrigação propter rem – isto é, está atrelada à área degradada, o passivo ambiental é transmitido aos novos proprietários, afetando toda a cadeia empresarial que suceder os responsáveis pelo ato poluidor.
Reparação de dano ambiental – o papel do Ministério Público
A ausência de prazo para propositura de ações de reparação de dano ambiental ascende a expectativa de que a atuação do Ministério Público se torne ainda mais incisiva.
A Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81) traz, em seu artigo 14, as formas pelas quais a responsabilidade civil ambiental pode ser apurada. A atuação do Ministério Público é destacada, através da competência para propositura de ações judiciais:
§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Atento às questões ambientais, cada vez mais relacionadas ao agronegócio brasileiro, o Conselho Nacional do Ministério Público, por meio da Comissão do Meio Ambiente (CMA/CNMP), firmou um Acordo de Resultados em Defesa da Amazônia juntamente com Procuradores-Gerais de Justiça dos Ministérios Públicos dos Estados que compõem a Amazônia Legal. O acordo firmado em 12 de agosto de 2020 tem o propósito de combater o desmatamento, as queimadas ilegais e o crime organizado ambiental na Amazônia.
O acordo firmado deve fortalecer ações estratégicas de competência do Ministério Público em matéria ambiental, além de promover troca de experiências e articulações com os demais órgãos atuantes. Na prática, esta interação pode ser exemplificada pela comunicação do IBAMA à Procuradoria competente do Ministério Público, quando da lavratura de Auto de Infração Ambiental. A comunicação da apuração administrativa e o encaminhamento dos autos do processo fornecem subsídios para que o Ministério Público verifique a pertinência de apuração das responsabilidades de natureza civil e criminal, formando um verdadeiro pool de autoridades com competência comum à apuração de ilícitos ambientais.
Reparação de dano ambiental – decisões recentes
A criação de forças-tarefas no âmbito dos Ministérios Públicos atuantes na Amazônia Legal tem clara inspiração nos trabalhos desenvolvidos pela Advocacia-Geral da União. Através da Força-Tarefa em Defesa da Amazônia, a AGU encerrou o ano de 2019 com o ajuizamento de 16 ações civis públicas totalizando a cobrança de R$ 555,3 milhões por desmatamentos ocorridos em quatro estados da Amazônia Legal.
As ações têm como base a lavratura de 25 autos de infração emitidos nos últimos anos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, referentes ao suposto desmatamento de mais de 26 mil hectares na região amazônica nos Estados de Rondônia (Porto Velho e Ji-Paraná), Mato Grosso (Juína e Sinop), Pará (Altamira, Redenção e Marabá) e Amazonas (Manaus).
Em julho deste ano, a instituição obteve decisão favorável para bloqueios no valor de R$ 302 milhões para fins de garantia de recuperação do dano ambiental ocorrido nos Estados de Mato Grosso e Pará, além de indenização por dano moral coletivo. Caso semelhante da mesma força-tarefa rendeu o bloqueio de cerca de R$ 1,5 milhão em bens, pelo suposto desmate de 70 hectares de mata nativa na cidade de Paranaíta, em Mato Grosso.
Além do bloqueio de bens, fora determinada, ainda, a perda do direito de participação em linhas de financiamento ofertadas pelas instituições oficiais de crédito.
Advocacia ambiental especializada como ferramenta de segurança jurídica
A vigência de um sistema jurídico de tríplice responsabilidade (civil, administrativa e criminal) somado à uma legislação ambiental multifacetada e complexa, sobretudo quanto às particularidades de cada bioma brasileiro, contribuem para uma atuação estatal engessada, burocrática e com alto grau lesivo à continuidade das cadeias produtivas do agronegócio.
Apesar da importância de medidas que combatam com eficácia as atividades lesivas ao meio ambiente, a atuação pública não pode ser convertida em espécie de tribunal ambiental perpétuo. Se por um lado as autoridades ambientais tem criado forças-tarefas para apurações de crimes no campo, as entidades representativas do agronegócio também devem organizar iniciativas preventivas, como foco educativo.
A prevenção jurídica somada à criação de mecanismos que fiscalizem a atuação pública, são ferramentas hábeis para garantir que as apurações de ilícitos ambientais não ocorram através de violações de direitos.
Leia a íntegra do acordo do Conselho Nacional do Ministério Público:
Leia mais sobre a atuação da AGU em matéria ambiental em:
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