IBAMA dificulta desembargo de áreas rurais – Conheça as novas regras

Nova Instrução Normativa em vigor no IBAMA dificulta desembargo de áreas rurais.

O EMBARGO DE ÁREA RURAL

O embargo é uma das sanções administrativas previstas na legislação ambiental brasileira, especialmente regulamentada pelo Decreto Federal nº. 6.514/2008. Embargar significa reprimir, impedir. Em linguagem jurídica, embargar é impor obstáculos.

Em matéria ambiental, o embargo de uma área rural é a determinação de que esta seja isolada para que possa retornar ao seu estado original. Os órgãos ambientais aplicam a sanção em ações de fiscalização especialmente quando detectam que há danos ambientais a serem impedidos e/ou corrigidos. A verificação de desmatamento ilegal, sobretudo se ocorrido em área de Reserva Legal ou Área de Preservação Permanente, é o caso mais comum da determinação da medida.

Ao aplicar a sanção de embargo, a finalidade e perspectiva estatal é o retorno da área ao seu estado original, isto é, a cobertura vegetal nativa. Nisso, o efeito imediato da sanção é tornar a área embargada impedida para exploração agropecuária.

O agronegócio, em especial o segundo setor – conhecido porteira adentro – sofre restrições comerciais severas em decorrência dos embargos de áreas, sendo este um indicativo de alta relevância na verificação da regularidade da produção rural.

OS NOVOS PAPEIS DO EMBARGO: COMERCIAL E POLÍTICO

Nos últimos anos, o embargo ambiental passou a representar um importante filtro de consulta de regularidade da produção agropecuária brasileira. Isto porque, com o anúncio de diversos acordos comerciais, a detecção de uma área embargada no interior de uma propriedade rural é um alerta que põe em risco diversas negociações rurais, desde o acesso ao Crédito Rural à venda de produção.

Instituições financeiras, trading companies e frigoríficos fazem uso rotineiro de listas públicas e dados georreferenciados para garantir que seus fornecedores e tomadores de serviço não estejam relacionados a atividades em imóveis com sanções ambientais vigentes.

Soma-se a esse novo cenário o fato de que as recentes políticas públicas ambientais fazem do embargo de áreas uma forma de pressão estatal contra o chamado “retrocesso ambiental”. Não são raras as manifestações públicas de representantes políticos e institucionais a esse respeito. A determinação de embargos remotos, por exemplo, é uma demonstração clara de que a sanção atingiu finalidade política: busca-se, por meio da ameaça do embargo e seus efeitos, desincentivar que comportamentos interpretados como crimes e infrações ambientais aconteçam.

Essa postura, por vezes, utiliza-se do fato de que a sanção de embargo é legalmente prevista, para tornar legitimado o seu uso mesmo quando a aplicação é ilegal e abusiva.

DESEMBARGO DE ÁREA RURAL: CRITÉRIOS LEGAIS

A mesma legislação que determina a aplicação da sanção do embargo, também disciplina sua extinção. O Decreto 6.514/08 dispõe sobre as hipóteses de suspensão e cancelamento do Termo de Embargo, vez que não deve existir, em nosso ordenamento jurídico, sanções com caráter de perpetuidade.

Especialmente em propriedades rurais produtivas, o desembargo é condicionado à comprovação de que a área embargada está regularizada, conforme regramento citado:

Art. 15-B.  A cessação das penalidades de suspensão e embargo dependerá de decisão da autoridade ambiental após a apresentação, por parte do autuado, de documentação que regularize a obra ou atividade.                

O dispositivo legal não menciona, exatamente, qual documentação é suficiente à comprovação de regularidade, gerando cenário de incerteza e abusos em decisões administrativas. Considerando as delimitações trazidas à Lei Complementar nº. 140/11, tem-se que o órgão licenciador da atividade ou empreendimento objeto de embargo – e suas respectivas áreas – é quem detém a competência para atestar se a fração embargada está, ou não, regularizada.

Nos casos em que o órgão embargante não é o licenciador, é comum que a recepção do licenciamento da propriedade não seja acatada, gerando decisões denegatórias da suspensão da medida de embargo.

Exemplo comum experimentado no estado de Mato Grosso é o fato de que uma propriedade sob o crivo da Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEMA MT, licenciada para uso agropecuário, não seja assim reconhecida pelo IBAMA em processos administrativos com sanção de embargo determinada.

Não raro, as discussões de áreas consolidadas para uso ou mesmo áreas regeneradas, com comprovação de recepção pelo órgão estadual no âmbito do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e emissão de licenças como a Autorização Provisória de Funcionamento (APF), costumam ter desfecho mais favorável aos produtores por meio da distribuição de ações judiciais.

O desembargo de áreas, pelo IBAMA, pode se tornar ainda mais dificultado com a nova Instrução Normativa publicada pelo órgão.

A INSTRUÇÃO NORMATIVA 08/2024

A Instrução Normativa publicada em 27 de março de 2024 tem objetivo específico. Lê-se, ao preâmbulo que a nova orientação “consolida critérios de análise e disciplina sobre o procedimento de pedidos de cessação de efeitos de medidas de embargo de obra ou atividade aplicadas em áreas rurais”.

Vê-se que não se trata de orientação normativa relacionada a qualquer cenário em que há vigência da sanção de embargo, mas especificamente em áreas rurais. Os imóveis produtivos sofrem especial impacto vez que as delimitações trazidas pelo IBAMA interferem não só no perímetro pontualmente objeto de autuação, mas sobre todo o imóvel rural – e, por extensão – à própria atividade econômica.

Este é, inclusive, o ponto nevrálgico da normativa: o estabelecimento da exigência de que o proprietário comprove a regularidade não só da área de incidência da sanção, mas de todo o imóvel.

A instituição deste critério é nova, mas reflete e consolida uma prática administrativa antiga em processos administrativos em trâmite no IBAMA: o papel paralegal da autarquia como órgão licenciador ambiental.

Esta deliberada violação de competência é frequentemente constatada quando, em decisões administrativas, o órgão:

  • Nega a validade e aplicação de licenças e decisões emitidas pela secretaria estadual de meio ambiente – que, em regra, é o órgão licenciador da propriedade;
  • Estabelece suas próprias regras em complementação ou substituição das instituídas pelos órgãos competentes;
  • Institui obrigações sobre áreas do imóvel que não estão abrangidas pelo Termo de Embargo.

Com a Instrução Normativa nº. 08/24, o órgão procura legitimar práticas administrativas abusivas, de modo que o desembargo de uma área rural não esteja fundamentado em critérios objetivos, mas submetido ao juízo de valor que a autoridade fizer em relação à documentação apresentada.

COMENTÁRIOS À NOVA REGRA – ARTIGOS POLÊMICOS

O especialista Fernando Leitão, advogado com atuação especializada em demandas ambientais no Agronegócio, comenta abaixo os pontos principais da nova Instrução Normativa em vigor, apontando as inconsistências e até contradições do documento:

“Não deixa de ser irônico que a própria instrução normativa do IBAMA não observe o disposto na legislação ambiental e se arvore competências exclusivas do Congresso Nacional para criar óbices e limites ao desembargo ao mesmo tempo em que alega nela se fundar.

Os artigos iniciais trazem a delimitação do embargo ambiental e sua finalidade conforme disposto em Decreto Fedral para, em seguida, usurpar completamente o conceito e função do embargo administrativo como forma de inviabilizar o desembargo”.

Destacamos a seguir as inovações mais polêmicas e os comentários do especialista:

Art. 2º A aplicação de medida de embargo tem por objetivos impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada.

§ 1º Os efeitos de medida de embargo se restringem aos locais onde efetivamente caracterizou-se a infração ambiental e não alcançam as atividades de subsistência.

§ 2º Os efeitos de medida de embargo perduram até a comprovação, pelo interessado, da regularidade ambiental do empreendimento rural.

Aqui já se evidenciam as reais intenções quando em vez de regularização do passivo específico, o IBAMA estabelece a “regularidade ambiental do empreendimento rural”. Ora, no parágrafo precedente, a autarquia reconhece expressamente que a sanção deve se restringir aos locais (e formas) em que ocorreram os pretensos danos para, agora, indicar que a condição é a regularidade do empreendimento.

Isso implica, na prática, que um embargo imposto por um determinado passivo pode ser mantido – pela lógica torta do IBAMA – em razão de outro passivo ou mesmo falta de finalização do processo de licenciamento de outra atividade no empreendimento rural.

Art. 3º A cessação de efeitos de medida de embargo depende de decisão da autoridade competente após a apresentação, pelo interessado, de documentação que comprove a regularidade ambiental da obra ou atividade rural.

Parágrafo único. O requerimento de cessação de efeitos de medida de embargo não instruído com documento essencial à caracterização da regularidade ambiental não será conhecido.

Afirmar que um requerimento “não será conhecido” quer dizer que ele nem será analisado caso não sejam atendidas as exigências estapafúrdias da Autarquia Federal e ignora que a realidade dos licenciamentos ambientais nas unidades da federação varia abissalmente e que certos documentos requeridos para o “conhecimento” do pedido de desembargo nem mesmo existem em alguns estados – como é o caso de Mato Grosso.

Com essa artimanha o IBAMA conseguirá inviabilizar todos os desembargos por anos a fio quando, então, as áreas se terão regenerado exigindo nova licença enquanto, em outra possibilidade, a arrecadação estará garantida por multas em razão do descumprimento de embargo ou impedimento de regeneração.

A Instrução Normativa traz, ainda, a delimitação de um extenso rol de documentação a ser apresentada para que o pedido de desembargo seja analisado e deferido.

A necessidade de comprovação de regularização plena do imóvel e de cumprimento de todas as condicionantes impostas no licenciamento ambiental podem tornar o desembargo extremamente demorado, custoso ou, até inviável:

E não basta a apresentação das condições abusivas o IBAMA ainda exige, no final das contas, que as medidas pactuadas com os órgãos licenciadores estejam já em execução, o que implica que após a finalização do licenciamento, o IBAMA ainda imporá que o pactuado apresente o seu cumprimento mesmo que o cronograma previsto no licenciamento seja atendido. Em suma, o IBAMA só cessará seus embargos quando a propriedade estiver em “conformidade ambiental plena” e não mais quando o passivo ou razão para imposição do embargo estiverem cessados.

UMA RESPOSTA AOS PRODUTORES RURAIS

O embargo de áreas rurais consolidou-se não só como ato administrativo dos órgãos ambientais, mas sobretudo em ferramenta política e comercial, sujeita mais às impressões pessoais dos tomadores de decisão do que à própria lei.

Nesse sentido, considerando que o Decreto Federal nº. 6.514/08 é inequívoco quanto à limitação do embargo à área autuada, recomenda-se aos produtores rurais com frações embargadas – sobretudo se forem áreas produtivas – que revisitem seus processos de licenciamento e posicionem seus direitos produtivos junto ao Poder Judiciário.

Proprietários rurais em todo o Brasil podem consultar embargos ambientais por desmatamento e autuações diversas neste link ou solicitar apoio especializado na aba de contatos.

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